Motta, Alcolumbre e a relação temporal entre as marretadas da PF no crime organizado e a pauta no Legislativo

Motta e Ciro Nogueira, no evento patrocinado pela devedora contumaz Refit (Foto: Reprodução)
Projeto que pune os devedores contumazes como a Refit só avançou no Congresso depois das operações contra o crime organizado. Medo da polícia?
brasil247.com/
Nesta quinta-feira, depois que um policial arrombou a porta da Refit a marretadas, o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, abriu a gaveta onde havia guardado, por quase três meses, o projeto de lei que pune os chamados devedores contumazes. Em seguida, designou como relator o deputado federal Antônio Carlos Rodrigues, do PL de São Paulo.
Coincidência ou não, a marretada do policial foi seguida de uma providência que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não havia conseguido obter. Há cerca de quinze dias, o apelo de Haddad pela tramitação do projeto foi solenemente ignorado pelo presidente da Câmara.
Em setembro, outra operação da Polícia também havia desencadeado um movimento no Senado Federal para aprovar o mesmo projeto em regime de urgência. Em comum, ambas as operações tiveram como alvo a Refit, antiga Refinaria de Manguinhos, suspeita de lavar dinheiro para o crime organizado.
A suspeita de ligação da Refit com o PCC só se tornou pública com a Operação Carbono Oculto, que expôs uma rede de lavagem de dinheiro ligada ao crime organizado. Na ocasião, o presidente do Senado pautou o projeto para votação, e a matéria seguiu, então, para a Câmara.
Hugo Motta sequer havia nomeado relator até o início da tarde desta quinta-feira. A súbita mudança de postura pode estar relacionada à presença do próprio Motta em um evento patrocinado pela Refit, em maio deste ano, quando as dívidas fiscais da empresa — calculadas em 26 bilhões de reais — ainda não eram um escândalo.
Em Nova York, onde o seminário ocorreu, o presidente da Câmara dividiu a mesa com o senador Ciro Nogueira, presidente nacional do Progressistas. E Ciro Nogueira foi além: participou de um jantar oferecido pela distribuidora de combustíveis norte-americana Gulf, que mantém parceria com a Refit no Brasil.
No Senado, Ciro Nogueira tentou descaracterizar o projeto sobre devedores contumazes ao apresentar uma emenda que retirava dessa categoria empresas que atuam em setores da economia com forte presença estatal. É evidente que a proposta beneficiava a Refit, já que, no Brasil, a Petrobras — empresa pública — é líder de mercado.
Após a Operação Carbono Oculto, a Câmara aprovou uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que blindava deputados federais e senadores de processos criminais. O texto também protegia os presidentes dos partidos, que só poderiam ser processados com autorização do Congresso.
A PEC seguiu para o Senado, mas só não foi aprovada devido à forte reação da sociedade, inclusive com grandes manifestações de rua. Em seguida, a Câmara aprovou um projeto de lei que asfixia financeiramente a Polícia Federal, que tem atuação expressiva nas investigações contra o crime organizado.
O relator da proposta, Guilherme Derrite, do mesmo partido de Ciro Nogueira, foi visto em um jantar antes de apresentar as alterações ao texto do governo federal. À mesma mesa estavam Arthur Lira, patrono de Hugo Motta, e Eduardo Cunha, que já admitiu publicamente ser amigo de Ricardo Magro, dono da Refit.
Nunca fez tanto sentido a letra da música “Homenagem ao Malandro”, de Chico Buarque: “Malandro com aparato de malandro oficial, malandro candidato a malandro federal, malandro com retrato na coluna social, malandro com contrato, com gravata e capital, que nunca se dá mal”.
Para o bem do Brasil, é desejável que o ritmo da política não seja ditado pela marretada da Polícia Federal.
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