
Entre a Faria Lima e o Congresso: a trama que une poder econômico, facções e parlamentares (Foto: Reuters)
Para o senador Randolfe Rodrigues, o combate ao crime exige uma Polícia Federal fortalecida e uma Receita Federal com competências expandidas.
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A Câmara dos Deputados, composta majoritariamente por parlamentares da extrema direita e do Centrão, aprovou a sexta versão politizada do Projeto de Lei Antifacção, relatada pelo deputado Guilherme Derrite (PP-SP). A medida atendeu aos interesses da oposição, incluindo governadores alinhados à direita e à extrema direita, em especial, o bolsonarista Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), potencial adversário de Lula na eleição presidencial de 2026, que atuou nas negociações em conluio com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), para viabilizar a indicação de Derrite à relatoria.
Essas articulações falam por si mesmas, além de representarem uma tentativa de impor uma derrota ao governo em um tema sensível como a segurança pública. Revelam também o incômodo da oposição diante dos avanços do Executivo, que tem acumulado resultados expressivos em diversas áreas, num placar político que se projeta em “7 a 0” para o governo, inclusive no próprio campo da segurança, com o envio de propostas consistentes ao Congresso, somadas à realização de operações bem-sucedidas, conduzidas pela Polícia Federal (PF) e órgãos de apoio, como a Carbono Oculto e a Compliance Zero. Esta última que investiga crimes financeiros e resultou, em 18 de novembro, na prisão do banqueiro Daniel Vorcaro, proprietário do Banco Master, além de outros cinco suspeitos de fraudes no sistema financeiro.
Segundo as investigações, o Banco Master teria recorrido a uma empresa de fachada para movimentar R$ 12,2 bilhões em articulação ilícita com o Banco de Brasília (BRB). Frente ao acúmulo de ilicitudes do Master, o Banco Central determinou a sua liquidação extrajudicial, bloqueou os bens de seus controladores e afastou dirigentes do BRB, entre eles o presidente Paulo Henrique Costa, cuja instituição pretendia adquirir parte do banco.
À vista destes acontecimentos, o deputado Gabriel Magno (PT-DF) reiterou que a prisão de Vorcaro e o afastamento da diretoria do BRB apenas confirmam denúncias anteriores sobre irregularidades na tentativa de aquisição do Master pelo governo Ibaneis/Celina, classificando a operação como “um golpe prestes a explodir no colo da população do DF”.
O rombo provocado no Fundo Garantidor de Créditos (FGC), decorrente do ressarcimento aos investidores no Banco Master, é inédito e resultou na maior operação já realizada pelo Fundo, superando inclusive o socorro ao Bamerindus no final dos anos 1990. Estimativas do FGC apontam que as instituições liquidadas possuem cerca de 1,6 milhão de credores com depósitos e aplicações cobertas pela garantia, totalizando aproximadamente R$ 41 bilhões. É praticamente inevitável que tais prejuízos sejam futuramente repassados aos clientes, por meio do aumento de tarifas e custos bancários.
Há ainda um conjunto expressivo de estados e municípios com investimentos no Banco Master. Dados do Ministério da Previdência Social indicam que 18 fundos de pensão estaduais e municipais aplicaram R$ 1,86 bilhão em letras financeiras do banco. O Rio de Janeiro, sob gestão de Claudio Castro (PL-RJ), foi o ente federativo que realizou o maior volume de investimentos. Qualquer suspeita sobre essas operações está longe de ter acontecido sem uma articulação de interesses políticos anteriores.
Com a liquidação extrajudicial do Banco Master, os recursos de fundos de pensão e de fundos de investimento ficam fora da proteção do FGC, o que lança incertezas sobre a situação de aposentados e pensionistas que dependem desses ativos como complementação de renda. Segundo o Tribunal de Contas do Estado, a RioPrevidência, responsável por administrar recursos de 235 mil servidores, realizou aportes bilionários mesmo diante de uma “situação extremamente duvidosa” e de amplo “noticiário dando conta de que o banco oferecia taxas de investimento impossíveis de serem aplicadas no mercado” (Fonte: Jornal do Brasil, 18/11).
Foi fartamente divulgado nos meios de comunicação que diversas transações envolvendo o banco Master foram concluídas sob forte pressão de representantes do cenário político, incluindo governadores e parlamentares da direita fisiológica com capacidade de influência sobre instituições financeiras e fundos de pensão. O clima entre esses políticos é de absoluto temor em relação ao avanço das investigações da operação Compliance Zero, o que explica suas investidas para enfraquecimento dos poderes da polícia federal.
Enquanto o escândalo envolvendo o Banco Master e o BRB se desdobrava, revelando vínculos suspeitos entre políticos corruptos e o banqueiro Daniel Vorcaro, o deputado Guilherme Derrite, na Câmara, apresentava um texto substitutivo ao PL Antifacção.
A reação da extrema direita e do Centrão ao Projeto de Lei Antifacção, elaborado durante seis meses pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública a partir de consultas a especialistas, juristas e instituições de segurança, consistiu em ideologizar e descaracterizar o PL, distorcendo aspectos importantes de seu mérito para obter ganhos eleitorais e assumir, de modo oportunista, o discurso de rigor contra as facções. Essa manobra possui outra dimensão relevante, como a autoproteção diante do envolvimento de setores dessa ala política com práticas do crime organizado, como demonstram as recentes operações, em destaque, os achados da Compliance Zero.
As alterações feitas por Derrite reduzem as atribuições da Receita Federal na apreensão de bens e diminui os recursos destinados à PF no combate às facções. O texto ainda cria sobreposição normativa, uma vez que já existe legislação específica contra organizações criminosas, cujos dispositivos não foram revogados, abrindo brechas que podem favorecer réus durante suas defesas. Nesse sentido, a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) sintetizou bem o problema: “o texto de Derrite acaba por proteger as organizações criminosas”.
Outro ponto crítico refere-se à destinação dos bens apreendidos do crime organizado. O texto substitutivo prevê que os recursos destinados à PF sejam repartidos com fundos estaduais de segurança pública, ao contrário da proposta original elaborada pelo governo federal. Segundo o senador Randolfe Rodrigues, líder do governo, “o PL Antifacção aprovado na Câmara retira recursos da PF e não amplia as atribuições da Receita Federal para apreender bens oriundos do crime. As alterações de Derrite favorecem o crime e enfraquecem a PF”. Para o senador, o combate ao crime exige uma Polícia Federal fortalecida e uma Receita Federal com competências expandidas.
O discurso final de Derrite após a aprovação do texto substitutivo, evidenciou a articulação política entre o bolsonarista ferrenho Tarcísio de Freitas e o desleal Hugo Motta, elogiados por ele em plenário, além de homenagear o ex-presidente, condenado pela tentativa de golpe de Estado e reconhecido por premiar milicianos destacados entre lideranças ativas de organizações criminosas.
O PL antifacção segue agora para o Senado. O governo federal avaliou como positiva a indicação do senador Alessandro Vieira (MDB-SE) para a relatoria, em razão de sua postura técnica e contrária à ideologização do tema, em contraste com o que ocorreu na Câmara sob condução do deputado do PP, alinhado ao governador Tarcísio de Freitas. Segundo Vieira, “não haverá qualquer redução no financiamento da Polícia Federal, que é fundamental para o Brasil”. Uma posição diametralmente oposta à de Derrite, que buscou diminuir os recursos destinados à PF. É justamente nesse âmbito que se inserem os avanços das operações da Polícia Federal, avanços que as alterações propostas por Derrite tentam inviabilizar por meio da asfixia financeira. Essas operações têm promovido um desmonte efetivo das estruturas do crime organizado, cuja presença ultrapassa os territórios historicamente estigmatizados, como favelas e periferias. Tais organizações também se articulam em espaços de poder econômico e político, manifestando-se na Faria Lima, no Congresso Nacional e entre parlamentares populistas da extrema direita e do Centrão, financiados por grupos criminosos interessados na formulação de marcos legais que lhes sejam favoráveis.
Diante desse cenário, torna-se imperativo que as organizações criminosas que operam nas esferas política, financeira e no tráfico sejam desarticuladas por meio de políticas de segurança pública pautadas pela seriedade institucional, livres de instrumentalização ideológica e de disputas eleitorais. É inadmissível que a população brasileira continue submetida ao medo pela insegurança pública diante do crime, à persistente desigualdade social e à carga tributária elevada, enquanto setores econômicos privilegiados muitas vezes associados a práticas ilícitas seguem acumulando riqueza oriunda do crime.
Nessa materialidade de sucessivas investidas da oposição contra o governo progressista, incluindo as tentativas de inviabilizar projetos estratégicos em benefício do povo, como a PEC da Segurança Pública, encaminhada ao Congresso desde abril e ainda sem pauta, ou a proposta de isenção de impostos para quem ganha até cinco mil reais, cuja aprovação só não foi comprometida graças ao clamor social desencadeado pelos massivos protestos contra a infame PEC da Blindagem para parlamentares, o governo Lula tem sido sistematicamente vilipendiado por uma maioria parlamentar composta por setores da extrema direita e do Centrão, cuja atuação revela profundo desprezo pelo interesse público e por reformas indispensáveis à melhora concreta das condições de vida da população brasileira.
Mediante essa conjuntura, espera-se que, nas eleições de 2026, a sociedade brasileira avalie criticamente a atuação profundamente danosa dessa atual composição parlamentar, cuja agenda tem reiteradamente comprometido o interesse público. A superação desse ciclo exige a escolha de representantes comprometidos com a ética, a responsabilidade institucional e o desenvolvimento qualitativo do país. Somente com uma renovação política pautada por princípios republicanos será possível consolidar reformas estruturais capazes de promover justiça social.
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