
Prédio do Congresso Nacional, em Brasília (Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino)
Deputados e senadores contam com cobertura generosa e ainda acumulam pedidos milionários de reembolso médico, com pouca transparência nos dados
Deputados federais e senadores brasileiros receberam mais de R$ 100 milhões em reembolsos médicos nos últimos seis anos, mesmo com acesso a planos de saúde de alto padrão e ampla rede hospitalar privada. A informação foi revelada em levantamento do portal UOL, que também aponta a falta de transparência na divulgação desses gastos com recursos públicos.
Entre fevereiro de 2019 e abril de 2025, apenas a Câmara dos Deputados desembolsou R$ 39,7 milhões em reembolsos, beneficiando 584 parlamentares. Já o Senado contabilizou R$ 60,8 milhões no mesmo período. Os dados foram obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI) e cruzamento com informações do Portal da Transparência.
Reembolsos milionários e sem teto - Na Câmara, não há limite para a quantidade de pedidos de reembolso — cada nota, no entanto, não pode ultrapassar R$ 135,4 mil. Esse teto individual foi elevado em março de 2021, por decisão do então presidente Arthur Lira (PP-AL), sob o argumento de “inflação médica”. O reajuste foi de 170%, enquanto o IPCA acumulado no período foi de apenas 32%.
O ressarcimento é concedido mesmo aos parlamentares com acesso aos melhores hospitais do país, como o Sírio-Libanês, Albert Einstein, DF Star e Rede D'Or. O plano de saúde da Câmara exige coparticipação entre 25% e 30%, e desconto mensal em folha que pode chegar a R$ 800.
Entre os parlamentares com os maiores valores de reembolso, está a ex-deputada Tereza Nelma (PSD-AL), que declarou ao UOL ter enfrentado um câncer nos últimos 12 anos e não ter recebido diretamente os valores: “a Câmara se entendeu diretamente com o hospital. Não havia nada ilegal. Se eu não tivesse o apoio que recebi, talvez não estivesse agora respondendo seu email”, afirmou.
Damião Feliciano (União-PB) aparece logo atrás, com R$ 1,7 milhão reembolsado, mas não respondeu aos questionamentos. A família do ex-deputado José Carlos Schiavinato (PP-PR), morto por Covid-19 em 2021, recebeu R$ 1,6 milhão. Ele foi tratado no Sírio-Libanês, que à época estava fora da rede conveniada da Câmara.
Outros nomes com reembolsos elevados incluem Celio Moura (PT-TO), com R$ 875,9 mil; João Campos de Araújo (Republicanos-GO), com R$ 767 mil; Nilson Pinto (PSDB-PA), R$ 735 mil; e Elcione Barbalho (MDB-PA), com R$ 698 mil. Moura relatou que os valores estão ligados a um acidente que vitimou seu irmão em 2021: “a bancada do PT pediu na época do acidente para que a Câmara arcasse com as despesas. [Por causa da Covid-19] os hospitais públicos de Brasília não tinham vagas”, declarou.
Nilson Pinto justificou que as despesas foram com internação no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, durante 35 dias, em razão de uma infecção grave. Segundo ele, os reembolsos “foram feitos conforme faculta a legislação”.
Jair Bolsonaro (PL), então deputado, foi ressarcido em R$ 435,3 mil por tratamentos relacionados ao evento de Juiz de Fora em 2018. “Todas as minhas despesas foram decorrentes dessa facada. De 1991 até 2018, pelo que me lembro, nunca usei o serviço de saúde da Câmara”, afirmou.
Senado: plano vitalício e valores ainda maiores - O plano de saúde do Senado se destaca por garantir cobertura vitalícia não apenas aos 81 senadores em exercício, mas também a 190 ex-parlamentares e 126 cônjuges, incluindo viúvas que podem solicitar a reinclusão. Os gastos com reembolsos, entre 2019 e 2024, somaram R$ 60,8 milhões, conforme o Portal da Transparência.
Diferente da Câmara, os senadores não têm qualquer coparticipação financeira, e suas mensalidades são totalmente cobertas pelo orçamento público. O número de solicitações também é ilimitado, embora os valores reembolsáveis por procedimento obedeçam a uma tabela da Casa.
Falta de transparência e controle - Tanto a Câmara quanto o Senado impõem barreiras à divulgação completa dos gastos. A Câmara alega que não pode informar detalhes sobre os procedimentos realizados e os locais de tratamento por “sigilo médico” e proteção de dados pessoais. O Senado vai além: sequer divulga os nomes dos parlamentares beneficiados.
O Partido Novo acionou o Tribunal de Contas da União (TCU) em 2021 para questionar a opacidade desses dados. No entanto, a Corte decidiu, em abril, que caberia à própria Câmara promover auditoria interna, caso houvesse suspeitas de irregularidades.
Posicionamentos oficiais - A Câmara dos Deputados afirma que só reembolsa despesas de parlamentares ativos, desde que aprovadas pela Mesa Diretora. Procedimentos estéticos ou experimentais, e despesas com acompanhantes, não são autorizados. Em casos excepcionais, admite ressarcimento de tratamentos realizados no exterior.
O Senado declarou que todos os pedidos “passam por análise técnica da perícia” interna, e que os valores seguem parâmetros definidos em tabela. Também permite, em casos indicados por laudos médicos, internações no exterior e uso de UTI aérea.
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